A censura à Revista Crusoé e ao site O Antagonista

Capa censurada da Revista Crusoé

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Constituição da República Federativa do Brasil
Artigo 5º, Inciso XIV

Na segunda-feira, 15 de Abril, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, determinou a suspensão da veiculação da reportagem intitulada "O amigo do amigo de meu pai", na qual o presidente do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli é citado, publicada pela Revista Crusoé e pelo site O Antagonista. A reportagem trata da revelação feita pelo empreiteiro delator Marcelo Odebrecht, em documento enviado à força tarefa da lava jato, em Curitiba, no qual, respondendo a questionamento dos investigadores, Odebrecht esclarece que o apelido que consta de emails e comunicações internas da empresa, O amigo do amigo de meu pai, se refere a José Antonio Dias Toffoli, quando este era Advogado Geral da União. Ainda segundo Odebrecht, os emails se referiam às tratativas da empreiteira com a Advocacia Geral da União, sobre temas relacionados às hidrelétricas do Rio Madeira. A decisão de Alexandre de Moraes foi tomada dentro do inquérito aberto pelo STF, por determinação de Toffoli, para investigar fake news, ofensas e ameaças dirigidas contra o tribunal e seus membros. O ministro se baseou no fato que a matéria diz que uma cópia do documento fornecido por Odebrecht,  teria sido enviado para a Procuradoria Geral da República, que negou ter recebido tal documento, levando o ministro a concluir que a reportagem se baseia em informações falsas. A decisão de Moraes também determina multa diária de R$ 100 mil reais em caso de desobediência à decisão. Alexandre de Moraes foi nomeado, pelo próprio Toffoli,  relator deste inquérito, o que contraria a norma de sorteio que deveria ter sido observada!

Ministro Alexandre de Moraes

A medida é claramente uma censura a um meio de comunicação, e foi duramente condenada por todos os órgãos da imprensa, por juristas, jornalistas, entidades de classe e repercutiu até no exterior. O assunto tomou as redes sociais, que atualmente é o maior fórum de discussões do país, e a censura foi condenada de todas as formas. O interessante foi o fato, apontado a mim pelo meu amigo Franklin, de TODOS os meios de comunicação se referirem ao episódio como censura. Ninguém teve medo de usar esta palavra! Até mesmo os ministros Celso de Melo e Marco Aurélio Mello, do próprio Supremo, criticaram duramente a decisão de Alexandre de Moraes de censurar  a revista e o site. O presidente Jair Bolsonaro também se manifestou a favor da liberdade de imprensa, embora eu ache muita cara-de-pau dele falar em liberdade de imprensa quando ele mesmo tem  uma mania de impedir o trabalho dos jornalistas da Globo e da Folha! Lembremos do caso Bebbiano, quando um dos áudios divulgados mostra o presidente se referindo à Globo como inimigo, diante do fato de Bebbiano ter marcado uma reunião no Palácio do Planalto com um alto executivo da emissora!

Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal

A história toda é bem complexa, começando pelo tal inquérito aberto por Toffoli, para investigar notícias falsas, ofensas e ameaças dirigidas ao tribunal e a seus membros. Os críticos desta medida alegam que o presidente do Supremo só pode abrir inquérito para investigar atos ocorridos dentro do próprio tribunal. Alegam também, que o inquérito aberto não possui um objeto de investigação claro e definido, o que contraria a legislação vigente. Além disto, o STF, como suposta vítima de falsas notícias, ofensas e ameaças, não poderia ele mesmo abrir o inquérito, conduzir as investigações, denunciar os supostos crimes, julgar e condenar. Nossa Constituição estabelece que o Poder Judiciário tem atribuições claras, não lhe cabendo o papel investigatório, que é uma atribuição do Ministério Público e da Procuradoria Geral da República (PGR). Em outras palavras, o Ministério Público investiga e denuncia um crime, que será julgado pelos tribunais do Poder Judiciário.

Se o presidente do STF, Dias Toffoli, entender que o tribunal ou um de seus membros , está sendo vítima de falsas notícias, ofensas e/ou ameaças, deve encaminhar o pedido de abertura de inquérito à Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, que tomará as medidas cabíveis ao caso.

Raquel Dodge, Procuradora-Geral da República

Para piorar a situação toda, o ministro Alexandre de Moraes também determinou que a polícia federal colhesse, no prazo de 72 horas, o depoimento dos jornalistas responsáveis pela matéria publicada pela revista Crusoé e pelo site O Antagonista. Determinou também que a polícia fizesse busca e apreensão nos endereços de 7 pessoas suspeitas de fazer ameaças e espalhar falsas notícias sobre o STF, além do bloqueio de contas em redes sociais.

Ainda na segunda-feira 15, a Rede Sustentabilidade, partido de Marina Silva, entrou no STF com um pedido de liminar contra a decisão de Moraes de censurar a matéria citada, tendo sido sorteado Edson Fachin para analisar o pedido. Fachin deu 5 dias para Moraes se manifestasse sobre a censura. Esta liminar foi pedida pela Rede dentro de uma ação que o partido move contra o inquérito aberto por Toffoli.

Ministro Luiz Edson Fachin

No dia 16, a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, determinou o arquivamento do inquérito. O ministro Alexandre de Moraes não acatou a daterminação, mantendo o inquérito aberto e o presidente Toffoli prorrogou sua vigência por mais 90 dias. O problema aqui é que, como o inquérito não foi aberto pela PGR, Raquel Dodge não tem o poder de determinar seu arquivamento. Juristas argumentam, porém, que sem o aval do Ministério Público, o relatório final do inquérito aberto por Toffoli não poderá ser convertido em denúncia.

Depois do escândalo que foi a censura aplicada pelo STF, no dia 18 o próprio Alexandre de Moraes revogou a sua decisão, alegando que o documento citado na reportagem existe de fato, não havendo portanto, motivo para manter a suspensão da veiculação da reportagem.

Na prática, porém, tal medida só tem o efeito legal, porque a reportagem censurada foi divulgada aos quatro ventos, através de grupos de WhatsApp, e pelas redes sociais. A censura provocou um efeito contrário ao pretendido, dando uma visibilidade à Revista Crusoé e ao site O Antagonista, que eles não teriam se a matéria não tivesse sido censurada! Eu já conheço e acompanho o trabalho do pessoal do O antagonista, mas confesso que não conhecia a Revista Crusoé até esta história estourar. Eu mesmo li a tal reportagem ainda durante a vigência da censura! Cometi um crime? Acho que não! A reportagem já estava na internet há alguns dias quando a censura foi determinada, e já tinha sido compartilhada por muita gente! E Alexandre de Moraes não tinha como impedir que a matéria continuasse a ser compartilhada, a não ser que tirasse toda a internet e as redes sociais do ar!!

A censura ocorrida agora não foi uma censura nos moldes da que acontecia durante a ditadura militar, que praticava uma censura prévia. Hoje, caso uma reportagem tenha conteúdo falso ou ofensivo, quem se sentir ofendido pode entrar na justiça buscando reparação, mas a matéria permanecerá publicada enquanto durar o processo, até que a decisão judicial seja pronunciada.

Danilo Gentili condenado à prisão, censura a reportagem de uma revista e a um site da internet. Quem chegou de Marte agora pode pensar que o Brasil está caminhando para se transformar novamente numa  ditadura. Felizmente ainda estamos longe disto! Achei muito positivo que o presidente Bolsonaro tenha sugerido tornar a liberdade de expressão algo como a primeira emenda da constituição americana, inviolável e praticamente sem limites. Vamos ver como o assunto será tratado daqui pra frente. Muitos já querem o impeachment dos ministros Toffoli e Moraes, vamos ver quais as consequências positivas que poderemos colher de toda esta história! Uma coisa é certa, o Supremo Tribunal Federal está sob ataque sim! Mas os ataques estão vindo mais de dentro das suas paredes de vidro do que daqui de fora!!

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