Abuso de Autoridade

Plenário da Câmara dos Deputados durante a sessão
que aprovou o PL 7596/17

Na noite de quarta-feira, 14 de Agosto de 2019, logo após encerrar a votação dos destaques da MP da Liberdade Econômica, que tinha sido aprovada no dia anterior, a Câmara dos Deputados votou simbolicamente o PL 7596/17, a famigerada Lei de Abuso de Autoridade. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), pautou a votação do projeto de lei após o plenário ter votado mais cedo o pedido de urgência, que foi aprovado por 342 votos contra 83. Como a votação foi simbólica e não nominal, tudo ocorreu de forma rápida, e por volta das 22 horas o projeto de lei já estava aprovado. Embora partidos como Novo, Podemos e Cidadania tentassem adiar a votação, não conseguiram os votos necessários para isso.

A proposta, que é de autoria do senador Randolfe Rodrigues (REDE-AC), já havia sido aprovada na Câmara, mas como o Senado fez alterações no texto recebido, a Câmara teve que votar novamente. Rodrigo Maia aproveitou esta situação para justificar a inclusão do projeto de lei na pauta de votações de forma tão rápida. A aprovação deste projeto de lei é uma vergonha para o parlamento e uma grave afronta ao povo brasileiro, que quer mais do que nunca, que a justiça alcance a todos aqueles que cometeram crimes, sejam contra as pessoas, sejam contra o patrimônio público ou privado. E este projeto de lei vai na direção contrária, ao inibir a ação daqueles que devem investigar, denunciar, julgar e punir os criminosos. O que nós queremos é um basta na impunidade, e um basta na prática nefasta que insiste em permanecer no Congresso, que é de legislar em causa própria, ignorando a vontade popular. O povo está cansado de ver políticos que  dizem representá-lo agindo pelas suas costas!

Junte-se a isso a decisão de Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu todas as ações e processos que usam dados obtidos através do COAF e da Receita Federal sem prévia autorização judicial, o desmonte que o Congresso está fazendo no pacote Anticrimes enviado pelo ministro da Justiça Sérgio Moro, e as reportagens baseadas em material obtido ilegalmente publicadas pelo site The Intercept, e temos o ambiente perfeito para que a criminalidade e a corrupção aconteça com total impunidade! A forma descarada com que alguns dos nossos políticos agem chega a dar náuseas!

O texto aprovado pela Câmara segue agora para a sanção do presidente Jair Bolsonaro. Vamos analisar abaixo o projeto de lei, e saber o que será considerado crime :

  1. Decretar prisão em desconformidade com as hipóteses legais ou manter prisão ilegal. É obvio que isto não é permitido. Parece atender à defesa de Lula, que alega que ele foi condenado sem provas e tem ainda o dilema envolvendo a questão da prisão após condenação em segunda instância.
  2. Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo. Também parece retaliação pela condução coercitiva de Lula.
  3. Executar prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante. Nenhum juiz manda prender alguém, ou executar operações de busca e apreensão sem um fundamentado pedido do Ministério Público ou outro órgão competente.
  4. Deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária e à família do preso. Com as audiências de custódia, esta medida é mesmo necessária?
  5. Constranger o preso ou o detento, por exemplo, exibindo publicamente seu corpo. E como devem proceder? Há situações em que isto é inevitável.
  6. Fotografar, filmar ou divulgar imagens do preso sem seu consentimento ou com autorização obtida ilegalmente, com o intuito de expor a pessoa a vexame ou execração pública. Hoje isto já não é permitido, a autoridade policial ou judicial não pode agir desta forma.
  7. Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que em razão de sua profissão deve guardar segredo ou resguardar sigilo. Parece feito sob medida para impedir qualquer ação contra Glenn Greenwald, não acham?
  8.  Deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso no momento da detenção. Ridículo, até onde sei os policiais tem seu nome escrito em seus uniformes. O que mais querem? RG e CPF?
  9.  Usar algemas quando não houver resistência à prisão ou ameaça de fuga. Medida ridícula. A tentativa de fuga pode ocorrer a qualquer momento, durante o trajeto entre o local da prisão e o local de detenção, desde que surja a oportunidade. Além disso, é uma medida necessária para a segurança dos próprios agentes de segurança.
  10.  Submeter o preso a interrogatório policial de noite, salvo se capturado em flagrante ou se ele consentir em prestar declarações. O preso deve estar disponível para esclarecimentos a qualquer momento que a autoridade judicial considerar necessária. Não dá pra acreditar que agora terão que marcar horário com preso para colher seu depoimento!
  11.  Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado. É sim um abuso, e acredito que exista legislação que trate deste assunto. 
  12.  Manter presos de ambos os sexos na mesma cela. Isso vale também para criança ou adolescente na companhia de maior de idade. A legislação atual já proíbe estas práticas e pune quem as utiliza.
  13. Invadir imóvel sem determinação judicial. Obviamente é um crime. Nenhuma autoridade policial em sã consciência faz isso.
  14. Omitir dados ou divulgar informações incompletas para desviar o curso da investigação ou do processo, ou ainda eximir-se de responsabilidade. Também acredito que a legislação atual já permite punir  estas infrações, não é necessário uma nova!
  15. Forçar médicos e enfermeiros a alterar local ou momento de crime no laudo. Crime óbvio, também é possível punir usando a legislação já existente.
  16. Colher provas por meio ilícito. Nosso sistema legal atual não permite isso.
  17. Induzir ou instigar pessoa a praticar infração penal com o fim de capturá-la em flagrante delito. Obvio que se uma autoridade constituída agir desta maneira estará incorrendo em crime, já que a lei garante que nenhuma pessoa pode ser obrigada a produzir provas contra si mesma.
  18. Instaurar investigação sem qualquer indício do crime. Quem é que perde tempo investigando alguém sem que haja suspeitas?
  19. Divulgar gravações sem relação com a prova, expondo a intimidade, a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado. A legislação atual já não permite que a autoridade policial ou judicial atue neste sentido.
  20. Prestar informação falsa sobre procedimento judicial, policial, fiscal ou administrativo com o fim de prejudicar interesse de investigado. A legislação atual já permite punir este tipo de situação. Nada novo é necessário.
  21. Investigar sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente. Como mencionei acima, nenhuma autoridade investiga alguém sem que haja alguma suspeita. Se ocorrer a legislação existente permite a punição.
  22. Estender injustificadamente a investigação. A legislação existente também pode punir excessos desta natureza.
  23. Negar ao interessado e a seu advogado acesso aos autos de investigação. A legislação atual também permite punir abusos desta natureza, nada novo é necessário.
  24. Obter vantagem ou privilégio indevido em razão do próprio cargo ou função pública. Aqui também já há legislação que permite punir este tipo de abuso.
  25. Deixar de corrigir erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento. Mesma coisa, a legislação atual permite punir este tipo de excesso.
  26. Dificultar ou impedir, sem justa causa, o agrupamento pacífico de pessoas. Mesma coisa, a legislação atual permite punir este tipo de excesso.
  27. Congelar ativos financeiros em quantia muito além do valor estimado para a satisfação da dívida. De novo, a legislação atual permite punir este tipo de excesso.
  28. Procrastinar ou retardar andamento de julgamento por meio de pedido de vista em órgão colegiado. Talvez a única medida boa, já que estamos cansados de ver os ministros do Supremo sentados por meses a fio em cima de processos, sob a desculpa de vistas! Não sei se hoje existe alguma maneira de punir isto.
  29. Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação. Isto hoje já não é permitido, e a legislação atual já pode agir para coibir este tipo de atitude.

Artigos do projeto que alteram leis já em vigor

  1. O mandado de prisão conterá necessariamente o período de duração da prisão  temporária e o dia em que o preso deverá ser libertado. Considerar a ausência desta informação como abuso de autoridade é ridículo. A lei é clara quanto ao tema.
  2. Vencido o prazo no mandado de prisão, a autoridade responsável pela custódia deverá pôr imediatamente o preso em liberdade, salvo se já tiver sido comunicada da prorrogação da prisão temporária ou da decretação da prisão preventiva. Creio que a legislação atual já permite punir este tipo de abuso.
  3. Constitui crime realizar interceptações telefônicas e informáticas, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial. Qualquer pessoa que faça isso comete crime, e se alguma autoridade cometer alguma destas infrações já estará sujeita à punição segundo a legislação atual.
Enfim, não sou advogado nem jurista, mas creio que as medidas incluídas neste projeto de lei visam tentar inibir o trabalho investigativo, dando aos criminosos meios para intimidar o trabalho policial e judicial. A meu ver, trata-se de clara tentativa de travar ou até mesmo encerrar a Operação Lava Jato. Podemos ver que muitas das medidas parecem ter sido adotadas como represália às ações adotadas pelas várias fases da Lava Jato. Podemos entender facilmente que muitas destas ações, se adotadas na vigência destas medidas, seriam consideradas um abuso de autoridade. É óbvio que defendo o combate ao abuso de autoridade, ninguém deve usar de seu cargo ou posição, para intimidar ou prejudicar o seu próximo. Mas no momento, o maior abuso de autoridade que vejo é aquele que vem do Congresso e do Supremo, com parlamentares legislando em causa própria, aprovando leis absurdas como esta e togados tomando decisões individuais sem bases legais, entortando a lei para que se encaixe onde querem, paralisando processos e ações investigativas. Contra este tipo de abuso, não há lei que puna! Só nos resta o veto do presidente Jair Bolsonaro!


Com dados da Gazeta do Povo



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