O Artigo 142 e a intervenção militar

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Eu tento me manter ativo nas redes sociais, e por isso mantenho contas pessoais nos aplicativos mais populares. Tenho acompanhado nos últimos dias o crescimento no número de pessoas que estão defendendo abertamente uma intervenção militar, baseando-se no artigo 142 da Constituição Federal. Esta intervenção está sendo defendida por eleitores que se sentem traídos pelos parlamentares, começando pelos presidentes das duas Casas legislativas, Davi Alcolumbre, do Senado Federal, e Rodrigo Maia, da Câmara dos Deputados, que tem adotado discursos que tem enfurecido os eleitores.

Temos assistido os parlamentares trabalhando para derrubar projetos apresentados pelo governo, para depois apresentar o mesmo projeto, mas como sendo de iniciativa do Congresso. Está claro que existe uma briga pela paternidade de projetos, com o objetivo de aumentar o protagonismo dos congressistas, o que eu acho um despropósito, pois aos eleitores importa que os projetos sejam aprovados, independente de quem os tenha proposto. Além disso nada impede que o Congresso apresente projetos, é sua atribuição, não há necessidade de derrubar um projeto do governo só para apresentar um projeto próprio.Também é uma perda de tempo, pois os eleitores tem acompanhado com mais atenção o trabalho realizado no parlamento e percebem facilmente estas manobras, que só servem para prejudicar ainda mais a já desgastada imagem do Congresso junto à opinião pública. Outro fator que contribui para piorar a avaliação da população em relação ao trabalho dos senadores e deputados, é o fato de medidas provisórias editadas pelo Executivo terem caducado sem terem sido analisadas pelo Congresso.

As manifestações populares a favor do presidente Jair Bolsonaro, e de pautas governistas tais como a Reforma da Previdência Social, o decreto do porte de armas, e a Operação Lava-Jato, tiveram reflexos temporários no Congresso Nacional. Logo após as manifestações  realizadas em 26 de Maio, pudemos acompanhar a mobilização do Legislativo para a aprovação às pressas de medidas provisórias importantes, que corriam o risco de expirar caso não fossem analisadas, como a MP 870 da Reforma Administrativa, que diminuiu o número de ministérios de 29 para 22, entre  outras medidas,  a MP 871 das medidas Antifraudes no INSS e o PLN 4/2019, que autorizou o governo federal a obter um crédito suplementar de R$ 249 bilhões para pagamento de despesas previstas no orçamento.

Mas a força da pressão popular, que não tem sido feita somente nas ruas, mas vem também das redes sociais, não tem impedido que o governo sofra derrotas, como a ocorrida com o decreto que flexibiliza o porte de armas, que foi derrubado em votação no plenário do Senado. Também não tem impedido que os parlamentares ressuscitem projetos como o que trata de abuso de autoridade, num momento em que o ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro, é alvo do ataque de hackers, que invadiram aplicativos de uso pessoal do ministro e publicaram conversas pessoais, com o objetivo de minar a credibilidade de Moro, e da Operação Lava-Jato. Esta atitude dos congressistas foi mal recebida pelos eleitores, que tem rechaçado todas as atitudes vindas do parlamento, que configurem tentativa de legislar em causa própria. Infelizmente, as atitudes e as palavras vindas dos políticos mostram que muitos ainda estão descolados da realidade e da vontade expressa pelos eleitores.

Durante muitos anos os brasileiros estiveram alheios à vida política do país. A participação das pessoas na política, se resumia a participar das eleições a cada quatro anos, e passar o tempo entre cada eleição reclamando e se queixando dos políticos. O brasileiro não debatia política. Dizia-se que política, religião e futebol, não se discutem! Depois de décadas de comodismo, que permitiu que os políticos agissem em benefício próprio, criando esquemas escusos e leis que os protegiam, o povo despertou e passou a discutir e debater política. O povo reassumiu o seu lugar no debate político e na vida democrática da nação. Mas isto não significa que os problemas se resolveram. Muito pelo contrário! Décadas de comodismo geraram problemas complexos que levarão anos para serem resolvidos, usando-se os instrumentos democráticos dos quais dispomos.

E aí é que entra o artigo 142 da Constituição Federal. As pessoas que defendem que o artigo seja invocado alegam que o Congresso não permite que o presidente trabalhe com liberdade. O artigo prevê que os poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário), podem se necessário, convocar as Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) para restaurar a lei e a ordem. A interpretação deste artigo, ao meu ver, é simples, e não me deixa dúvidas quanto à utilização das Forças Armadas. No meu entendimento, um poder da República não pode convocar as Forças Armadas para serem usadas contra outro poder, como querem as pessoas. Pelo menos não neste caso.

Nosso Congresso, com exceção de parte dos senadores, foi eleito no mesmo pleito que elegeu o presidente Bolsonaro em 2018. A atual legislatura tomou posse em 1º de Fevereiro, portanto tem menos de seis meses. Entendo que muitos eleitores se sintam traídos ou decepcionados com seus congressistas. Também entendo que o governo não vencerá todas as votações, algumas derrotas ocorrerão. Isto é normal! O problema é que muitos eleitores não estão dispostos a assumir a responsabilidade pelos seus votos, e diante de derrotas políticas, querem simplesmente que o presidente Bolsonaro convoque as Forças Armadas e dissolva o Congresso, convocando novas eleições. A democracia não funciona desta maneira, e muitas pessoas não parecem dispostas a aprender a viver em uma democracia e a respeitar os processos democráticos. Os políticos não estão correspondendo às expectativas e à vontade dos eleitores? Vamos cobrá-los! O Congresso não presta? Ora, não fomos nós que os colocamos lá? "O povo elegeu, então o povo pode tirar", tenho lido muitas postagens com conteúdo semelhante e concordo, mas da mesma forma que seguimos regras legais para colocá-los lá, temos que seguir as regras legais para tirá-los. Nós não podemos seguir a lei apenas quando nos convém! E Não acho que existam motivos para que o presidente use o artigo 142 da Constituição e convoque as Forças Armadas para intervir no Congresso, pelo menos não neste momento. Este artigo só deve ser usado diante de situações que estejam impedindo o funcionamento normal dos poderes da república. E neste momento, todos os poderes estão em pleno funcionamento. Por mais que não estejamos de acordo com algumas atitudes vindas de membros do parlamento, não podemos agir como crianças mimadas que foram contrariadas. Temos que agir como adultos, entendendo, respeitando e buscando soluções através das ferramentas legais que nosso sistema democrático nos fornece. E aprendendo a valorizar nosso mais importante instrumento democrático: o voto! Um voto mal dado nos leva a situações como esta que estamos vivendo hoje.

Tudo isto mostra que viver em uma democracia não é fácil. Muitos querem soluções rápidas e simples para problemas complexos. Décadas de descaso dos eleitores geraram problemas que precisarão de tempo para serem resolvidos. Este é o momento das pessoas conhecerem as ferramentas democráticas de que dispomos, para aprender a usá-las. O debate político é importante, a participação das pessoas na vida política do país é vital para o fortalecimento da nossa democracia, mas não deve se restringir às redes sociais e a um ativismo virtual. Precisa vir para o dia a dia, até porque precisamos de novas pessoas, sem as quais não haverá nova política. Precisamos de pessoas dispostas a assumir o lugar dos políticos que serão reprovados nos testes das urnas. No próximo ano, teremos eleições para prefeitos e vereadores. Temos que evitar cometer nestas eleições, os mesmos erros que cometemos na eleição passada. O trabalho do eleitor nunca termina!

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