A cara de pau de Dias Toffoli

Dias Toffoli, Presidente do Supremo Tribunal Federal

Como todos devem saber, o Supremo Tribunal Federal encontra-se em recesso. Durante este período, o presidente da corte, ministro Dias Toffoli, trabalha em regime de plantão, para atendimento de demandas que exijam respostas urgentes por parte do judiciário, como a concessão de habeas corpus, por exemplo. Atendendo a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro, o ministro Dias Toffoli decidiu suspender todos os processos e investigações que estejam utilizando informações obtidas através do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e da Receita Federal, sem a prévia autorização judicial. Sob a alegação de preservar o sigilo bancário e fiscal, a decisão de Toffoli paralisa não apenas as investigações a respeito das movimentações financeiras do senador Flávio, mas também todas as investigações e processos em curso no país, que utilizem tais informações. Por se tratar de uma decisão monocrática e provisória, o plenário do STF deverá analisar o recurso que gerou esta decisão, em sessão marcada para o dia 21 de novembro.

A decisão de Toffoli gerou uma repercussão enorme, com muitas críticas, por favorecer os criminosos que lavam dinheiro e cometem outros crimes financeiros e fiscais. Além disso, em sua decisão o ministro ignorou decisão recente do próprio STF, que considerou constitucional a lei que permite que a Receita Federal tenha acesso aos dados bancários de contribuintes para investigar possíveis crimes financeiros e tributários, desde que o órgão mantenha o sigilo sobre os dados coletados. O próprio Toffoli votou favorável a este entendimento.

Muitas pessoas emitem suas opiniões sem saber o que é o COAF e como ele trabalha. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras foi criado em 1998, em decorrência da aprovação da Lei Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro (Lei 9613/98), e ao ingresso do Brasil em vários órgãos de controle internacionais, tais como o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) e a Organização Mundial das Aduanas (OMA), e também como resultado da adesão do Brasil a tratados internacionais que visam combater a lavagem de dinheiro.

Como ex-bancário, é fácil pra mim entender o funcionamento do COAF, vou tentar explicar em poucas palavras. Em primeiro lugar, o COAF não quebra sigilo bancário de ninguém. Todo banco possui programas que calculam o saldo médio das contas de seus clientes, levando em consideração a movimentação de depósitos e retiradas dentro de um determinado período. Através destes programas, os bancos tem um parâmetro da movimentação média de seus clientes. O COAF estabelece alguns critérios a ser utilizados pelos bancos no monitoramento da movimentação dos seus clientes, como um saldo médio mínimo ou movimentações específicas acima de determinado valor. Por exemplo, vamos supor que o COAF determine como critério de monitoramento toda movimentação que gere um saldo médio acima de R$ 50 mil reais. Um cliente que possui uma movimentação financeira mensal que gera um saldo médio de R$ 20 mil reais não terá sua movimentação notificada ao COAF. Mas de repente este mesmo cliente apresenta uma movimentação que gera um saldo de R$ 100 mil reais. Neste caso o banco informará ao COAF, que gerará um relatório a ser enviado ao Ministério Público. Aqui tenho que salientar que o banco não fornece dados detalhados do cliente ou detalhes da sua movimentação financeira, nada que esteja protegido pelo sigilo bancário. Se ao analisar os dados do relatório do COAF, o Ministério Público entender que há algo suspeito na movimentação deste cliente, então ele abrirá uma investigação e solicitará à Justiça a quebra do sigilo bancário do cliente, obtendo assim toda a movimentação bancária detalhada do mesmo.

Não vejo nenhum problema neste modo de agir do COAF e da Receita Federal, que trabalham assim há mais de vinte anos! Muitos questionam dizendo: se o COAF existe há tanto tempo, por que não detectou tanta corrupção? A resposta é simples: a maioria dos casos de corrupção envolve dinheiro vivo (como no caso de Geddel Vieira Lima e os R$ 51 milhões encontrados em seu apartamento), porque os criminosos sabem que existe monitoramento sobre as movimentações financeiras, dificultando a lavagem. Além disso, o COAF apenas informa em seus relatórios as movimentações atípicas que detectou, cabendo ao Ministério Público abrir ou não investigações a respeito.

A decisão de Toffoli paralisa o monitoramento das atividades financeiras, pois se o COAF necessitar de autorização judicial prévia para gerar seus relatórios e enviá-los ao Ministério Público, não serão feitas investigações. O presidente do Supremo, com sua decisão, acaba por criminalizar uma prática legal e já consagrada no combate à lavagem de dinheiro e à corrupção. Toffoli atacou o ponto principal, a partir do qual se iniciam ou não as investigações sobre possíveis crimes financeiros. Isto pode gerar consequências para o Brasil junto aos órgãos internacionais de combate à lavagem de dinheiro, num momento em que o governo do presidente Jair Bolsonaro está empenhado em ingressar o Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), pois a comunidade internacional pode ter a impressão de que o Brasil não está empenhado em combater a corrupção e a lavagem de dinheiro. Por se tratar de um tema que gerou muita polêmica, alguns ministros do STF já sinalizaram que poderão acelerar a votação em plenário deste recurso.

Eu fico com a impressão que, como fracassaram as tentativas do site The Intercept Brasil de melar a Operação Lava-Jato através da divulgação de supostas mensagens trocadas entre procuradores e o juiz responsável pelo julgamento das ações em primeira instância, a organização criminosa que se infiltrou em todas as esferas do poder público resolveu agir em outra frente. Através de Toffoli, que já foi citado pelo empreiteiro delator Marcelo Odebrecht, os criminosos conseguiram paralisar todos os processos e investigações, dando tempo para que as movimentações financeiras com dinheiro de origem ilícita sejam feitas sem monitoramento. Que Toffoli deve estar envolvido até o pescoço em ilicitudes, não dá pra duvidar. Resta saber onde Flávio Bolsonaro fica nesta história. Seria apenas um peão que foi manipulado pela organização criminosa através de seus advogados, ou também faz parte dela? O futuro dirá! Isto é, se as investigações continuarem...

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