Japão pós pandemia

Reproduzo abaixo o meu artigo publicado na coluna Conexão Japão, da revista digital Vida Destra:

Japão pós pandemia 

Shinzo Abe - Primeiro Ministro do Japão

Todos os países estão contando os minutos e segundos para poderem declarar o fim da pandemia de Covid-19. Após meses de quarentena forçada e de paralisação de grande parte da atividade econômica, o mundo anseia por um ponto final para esta história. O Japão, por sua proximidade geográfica e intenso fluxo de pessoas com o país onde tudo isto começou, a China, acabou se tornando um dos primeiros países a manifestar casos da doença. Formado por ilhas, com uma pequena área para abrigar mais de 125 milhões de pessoas e com uma alta taxa de idosos em sua população, o Japão tinha tudo para ser um dos países mais afetados pela pandemia. Não foi o que aconteceu!

Segundo dados oficiais divulgados na última sexta-feira 12 de junho, foram registrados um total de 17.292 casos de Covid-19, com 989 casos ativos, 15.383 pessoas curadas e 920 mortes. Em comparação com os dados de outros países, incluindo o Brasil, podemos afirmar que o Japão conseguiu administrar bem a situação envolvendo a saúde pública. Como já escrevi em um artigo anterior, aspectos culturais permitiram ao Japão passar por esta pandemia de forma relativamente tranquila. Por aqui, apesar de ter sido decretado estado de emergência, não houve uma quarentena forçada, nem a suspensão compulsória das atividades econômicas. Muitas empresas pararam simplesmente por não receberem materiais e insumos da China, e outras pararam por não poderem exportar seus produtos para outros países, que estavam com suas empresas paradas.

Hoje, já estamos fora do estado de emergência há quase um mês, o comércio e as industrias tentam retomar o ritmo normal e as escolas já iniciaram o ano letivo, cujo início deveria ter sido em abril mas foi adiado por precaução. Se o Japão enfrentou bem a questão sanitária, agora vem o problema principal, e que já está dando dor de cabeça ao governo do primeiro ministro Shinzo Abe, a crise econômica. Já considerada como sem precedentes, sendo pior que a crise financeira de 2008/9, iniciada com a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, a crise econômica que o país enfrenta tem um componente que está deixando todos nós que vivemos aqui extremamente preocupados: a falta de perspectivas de curto e médio prazo. Não se vê a luz no fim do túnel, mesmo que pequenina! E isto gera um círculo vicioso, que faz com que investidores não invistam, consumidores não consumam, e como consequência o comércio não vende e a indústria não produz. Com a queda da demanda, as empresas cortam seus custos demitindo funcionários, e o desemprego aumenta a insegurança que alimenta este círculo!

Obviamente o Japão não é o único país com problemas econômicos, mas estamos passando por um estágio avançado nesta crise do Covid-19, o que faz com que o Japão seja visto como um dos modelos do que poderá acontecer com a economia. Recuperar os índices econômicos o mais rapidamente para os patamares anteriores à pandemia é a meta do governo japonês, mas a falta de perspectivas em relação aos seus principais parceiros comerciais tornam a adoção de  medidas algo extremamente difícil. Não é possível saber quanto tempo os Estados Unidos, a Europa e a China levarão para se recuperar! O Japão é um pais sem recursos naturais e altamente dependente do comércio exterior, importando praticamente tudo o que consome. A paralisação das cadeias mundiais de produção e de circulação de mercadorias, mostrou o quanto a economia japonesa, a terceira maior do mundo, é altamente vulnerável.

A dependência japonesa do comércio exterior mostrou sua face mais agressiva nesta pandemia, com o país dependendo da China para praticamente tudo! De que adiantaram muitas das medidas de combate à pandemia adotadas pelo governo, se os insumos dependiam de indústrias chinesas? Da mesma maneira, como produzir e vender se os componentes necessários vem da China? A alta dependência da China, já vinha causando um êxodo discreto de grandes empresas japonesas, que passaram a buscar uma diversificação em sua base de produção, instalando plantas industriais em países como o Vietnã. A crise atual, porém, expôs de tal maneira a fragilidade japonesa causada pela dependência da China, que levou o governo a adotar uma postura oficial, incentivando as empresas multinacionais japonesas a trazer a sua produção de volta ao país, até mesmo financiando este retorno, se necessário. O governo também apoiará as empresas japonesas que queiram transferir a sua produção da China para outros países. Na minha opinião, a segunda alternativa é a que deverá prevalecer, pois as empresas já vem adotando esta postura desde a primeira gripe aviária, de 2002/2003, mesmo sem o apoio oficial. A falta de mão-de-obra e o seu alto custo, impedirá que muitas empresas japonesas repatriem a sua produção, pois o custo de se produzir no Japão reduzirá a competitividade das empresas japonesas, o que é a última coisa que qualquer empresa que quer recuperar seus níveis de produção permitiria acontecer! A sedução dos produtos Made in Japan porém, é tentadora, ainda mais em tempos onde o desejo de se boicotar produtos chineses é grande! Há consumidores japoneses dispostos a pagar mais por produtos Made in Japan, mas estão longe de ser em número suficiente para justificar a produção de muitos produtos no país. Os japoneses, ao longo das últimas décadas, permitiram que a busca pelo lucro dilapidasse um dos seus maiores patrimônios: a credibilidade da marca Made in Japan! Os japoneses não foram os únicos a incorrer neste erro estratégico! Boa parte do mundo fechou os olhos para os problemas internos do regime chinês, visando apenas o lucro, e passaram a alimentar o dragão que agora pretende devorar a todos!

O Japão está em uma situação complicada. Dono da maior dívida pública do mundo desenvolvido, o país não dispõe de muitas ferramentas para manobrar nesta crise econômica. Sua recuperação não depende apenas de seu próprio esforço, mas depende do desempenho de outras economias. O Japão está de mãos atadas, e todos torcemos agora, para que o restante do planeta se livre logo deste maldito vírus chinês para que possamos, enfim, vislumbrar uma luz no fim do túnel!

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