Meu artigo semanal para o site Vida Destra

Reproduzo abaixo o meu artigo semanal para o site Vida Destra:

A questão do Direito adquirido




Recentemente, o jornalista Alexandre Garcia fez um interessante exercício de imaginação, durante uma palestra, e que deu o que falar! Nesse exercício, o grande jornalista propôs  que a platéia imaginasse a situação de uma troca, onde toda a população brasileira seria transferida para o Japão, e toda a população japonesa seria transferida para o Brasil. Alexandre Garcia propôs também que a audiência imaginasse as consequências de tal troca, e afirmou que os japoneses que viessem a ocupar o território brasileiro transformariam o Brasil na maior superpotência mundial em apenas dez anos!

Os críticos logo saíram a gritar contra o jornalista, afirmando que ele estava responsabilizando o povo brasileiro pela situação do país. Obviamente, Alexandre Garcia queria mostrar, através deste exercício, o atraso que nosso sistema político e jurídico nos causa. Em outras palavras, se mesmo com toda a riqueza que possuímos, não somos hoje a maior superpotência mundial, a culpa é dos nossos líderes! Eu acho que a população tem sua parcela de culpa, pois participa da escolha de parte desta liderança, mas nem por isso pode assumir toda a culpa sozinha!

Até porque, se analisarmos a nossa história recente, veremos que a vontade da sociedade brasileira não é a mesma da nossa liderança política e nem é respeitada pelos políticos. A classe dirigente do país, com exceção do Poder Executivo federal, não representa os anseios do povo. Posso citar como exemplo o maciço apoio popular à proposta de reforma da previdência social do ministro Paulo Guedes! Se dependesse apenas da população, ela teria sido aprovada na íntegra, sem a desidratação que sofreu! Da mesma forma o pacote anticrimes do ministro Sérgio Moro e as propostas do ministro da Educação Abraham Weintraub, como a carteira de estudante digital. Só para citar alguns exemplos! Se a vontade do povo fosse respeitada, certamente a situação do país hoje já estaria muito melhor. Nossas instituições trabalham em interesse próprio, e para elas, "o povo é um detalhe" (lembram-se dessa afirmação?)!

Existem muitas distorções que o Brasil precisa corrigir. Mas tem uma em especial que me incomoda, e que na verdade é o assunto que eu gostaria de tratar neste artigo! É a questão do direito adquirido. Longe de mim querer acabar com o direito das pessoas! Apenas acho que esse assunto precisa ser debatido! Comparando a sociedade brasileira com a sociedade japonesa, já que moro aqui no Japão e aproveitando o exercício proposto no início deste artigo, aqui existe um senso coletivo que falta à nossa sociedade. E para constatar isso, basta observar o comportamento dos cidadãos japoneses diante dos desastres que se abatem sobre o país de tempos em tempos! Ninguém coloca o interesse pessoal acima do interesse coletivo, e isso vale tanto para cidadãos como para empresas. Tenho certeza que este senso coletivo contribuiu muito para o sucesso japonês!

A meu ver, a questão do direito adquirido, embora traga segurança jurídica às pessoas, é um fator que incentiva os interesses pessoais sobre os interesses coletivos. E por que afirmo isso? Porque, usando o exemplo da Previdência Social, se preservarmos direitos adquiridos, deixando as novas regras apenas para os novos contribuintes que ingressarem no sistema a partir de agora, não resolvemos o déficit que ameaça a solvência do sistema previdenciário HOJE! Mantemos uma situação que é claramente insustentável e pior, jogamos a conta para a próxima geração pagar, para preservar nossos direitos. Eu sei que não se trata de uma postura ilegal, mas até onde seria uma postura moral?

A população brasileira já demonstrou em diversas ocasiões, que está disposta a abrir mão de certos direitos pessoais em prol da melhoria do conjunto da sociedade. Hoje, os mais ferrenhos defensores do direito adquirido não são os menos favorecidos, mas são justamente os mais favorecidos, os maiores beneficiários das distorções que estão espalhadas dentro do Estado brasileiro! Acredito que, se não estivermos dispostos a enfrentar os privilégios, se não estivermos dispostos a expor e enfrentar os parasitas citados pelo ministro Paulo Guedes, não conseguiremos construir uma sociedade justa! E sempre estaremos jogando sobre as futuras gerações a conta a ser paga pelos erros que vem sendo cometidos há décadas! Chegou a hora de enfrentar os nossos problemas de frente, deixando de adiar a busca por soluções!

E esse enfrentamento não será nada fácil! Como mencionei, são justamente os que se encontram no poder os maiores possuidores de benefícios que sangram os cofres públicos e prejudicam o restante da população! Existem muitos problemas que enfrentamos HOJE que não serão solucionados preservando direitos abusivos e deixando para o futuro a adoção de posturas mais justas! Claro que eu acredito que existem direitos que devem ser preservados a todo custo! Mas estes direitos que devem ser preservados, são justamente aqueles que igualam as pessoas, e não aqueles que criam desigualdades e beneficiam poucos em detrimento de muitos!

Este é um tema muito complexo e que suscita discussões acaloradas, por isso é impossível discuti-lo de forma aprofundada em um artigo como este. Eu quero apenas trazer este tema à tona e colocá-lo em evidência, para incentivar um debate saudável que possa gerar mudanças e trazer soluções concretas aos diversos problemas estruturais que afetam a nossa sociedade. Queremos mudanças? Então, vamos fazê-las! Mas sejamos intelectualmente honestos e vamos defender as mudanças, mesmo aquelas que nos afetem diretamente! Vamos abandonar a postura de só apoiar as mudanças que afetam o nosso próximo! A lógica é simples: se todos lutarem para manter os seus direitos e privilégios, a sociedade como um todo perderá, e nada mudará. Nunca evoluiremos se não nos conscientizarmos que toda mudança tem o seu preço!

Estamos dispostos a pagar o preço necessário para a construção de um Brasil melhor?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A prisão de Roberto Jefferson

Sejam Bem-vindos!

A demissão de Sérgio Moro