Vida de imigrante


Deixar o Brasil e os problemas crônicos do país para trás é o sonho de muita gente. Segundo dados do Datafolha de 2018, dos brasileiros na faixa etária dos 16 aos 24 anos, 62% gostariam de sair do país e viver no exterior. Os motivos são compreensíveis: busca de segurança, estabilidade financeira, novas oportunidades de trabalho e estudos, entre outras.

Segundo o Relatório Internacional de Migração, do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais (DESA) da ONU, os dados de 2017 apontavam que 1,6 milhão de brasileiros viviam no exterior. Ainda segundo o mesmo relatório, a maior comunidade brasileira no exterior estava nos Estados Unidos (367 mil pessoas), sendo seguido por Japão (206 mil), Portugal (136 mil), Itália (106 mil) e Espanha (100 mil). Na América Latina, o país mais procurado pelos brasileiros é o Paraguai, com uma comunidade de 75 mil brasileiros. Os dados não refletem a realidade, devido à imigração ilegal, que dificulta a obtenção de dados precisos.

Me considero um privilegiado, pois a minha ascendência nipônica me deu a oportunidade de sair do Brasil e viver aqui no Japão. E resolvi escrever este artigo, que sei que gerará polêmica, devido ao recente surto de corona vírus na cidade de Wuhan, na China, e a repatriação de brasileiros que estavam naquela cidade, e também devido às recentes notícias de pessoas que voltaram para o Brasil em voo fretado pelo governo americano depois de tentarem entrar de forma ilegal naquele país.

Entendo o desejo natural que todo ser humano tem de buscar melhores condições de vida para si e para a sua família. Porém, como imigrante aqui no Japão, me sinto com autoridade para dizer que todos aqueles que anseiam deixar o país precisam pensar muito, mas muito mesmo a respeito, e pesar bem os prós e os contras de viver no exterior, antes de sair do Brasil. Muitos pensam apenas nos ganhos financeiros, e não levam em consideração os outros aspectos importantes que devem ser considerados.

A começar pelo choque cultural. Mesmo sendo descendente de japoneses e tendo conhecimento da cultura, sofri um choque cultural tremendo ao chegar aqui. Me senti como se tivesse nascido de novo, pois precisei reaprender quase tudo! Mais que a língua, os costumes e o modo de pensar dos japoneses são muito diferentes dos nossos! Vivi muitas situações engraçadas no processo de adaptação, mas o foco é que nós, os imigrantes, é que temos que nos adaptar ao novo ambiente e à nova cultura, e não o contrário! Esse é um problema que vi acontecer com muita frequência aqui: muitos brasileiros não entendiam a diferença entre os japoneses respeitarem o nosso modo de pensar, e pensar como a gente! Nada os obriga a mudar a forma de pensar deles! Eles compreendem que pensamos diferente e respeitam isso, mas esperam que nos adaptemos ao modo de pensar deles!

E isso vale para qualquer outro país para onde os brasileiros decidam emigrar. As pessoas precisam sair do país dispostas a enfrentar as dificuldades, a discriminação, as barreiras culturais e ainda assim permanecer dispostas a aceitar e se adaptar à cultura do país que as acolhe! E devem sair do Brasil cientes que, a partir do momento que decidem cruzar a fronteira, elas estão por conta delas mesmas. Por isso precisam refletir muito antes de tomar tal decisão.

Digo isso porque nenhum brasileiro deve sair do Brasil pensando que o governo brasileiro deve ajudá-las nas suas dificuldades. O caso recente da repatriação dos brasileiros que estavam no epicentro do surto de corona vírus, na China, é um exemplo disso! Já fui taxado de desumano por criticar a decisão do governo de gastar recursos públicos e colocar em risco a vida de cidadãos brasileiros para repatriar estas pessoas. Entendo que o fator humanitário pesou na decisão do governo e respeito isso. Mas o precedente aberto é muito perigoso, pois então agora, se aqui no Japão ocorrer um surto como este, então poderemos esperar o mesmo tratamento por parte do governo brasileiro?

Além disso, os 1,6 milhão de brasileiros espalhados ao redor do mundo estão expostos a todo tipo de problemas, desde epidemias até guerras e desastres naturais. Já pensaram se o governo tivesse que socorrer essa gente toda? Eu mesmo já passei por outras epidemias de vírus antes, como a gripe aviária, a gripe suína, a tal da SARS e o H1N1. Não é a primeira vez que surge um surto deste tipo na China. Por isso creio que aqueles que tomarem a decisão de emigrar para lá deverão estar conscientes deste risco. Aqui no Japão convivemos com a possibilidade de tufões, terremotos e tsunamis. Quem decide viver aqui, precisa estar consciente e preparado para estas situações. Em março de 2011, quando ocorreu o grave terremoto que causou o tsunami que varreu o nordeste do Japão e causou o acidente nuclear em Fukushima, não vi ninguém recebendo ajuda do governo brasileiro para ser repatriado, mesmo com o risco real de contaminação radiativa!

Sobre a outra questão envolvendo emigrantes brasileiros, vi no noticiário o pessoal que foi repatriado pelos Estados Unidos reclamando do tratamento que receberam enquanto aguardavam a deportação. Este é outro aspecto que aqueles que pensam em deixar o país precisam considerar: imigração ilegal é crime em qualquer país! Se uma pessoa decide emigrar ilegalmente para os Estados Unidos, precisa estar consciente que estará cometendo um crime, e como criminosa, estará à mercê das leis e da polícia americana. O tratamento é ruim? Proponho a seguinte reflexão: como nós brasileiros desejamos que os criminosos sejam tratados? Nós gostamos que sejam tratados com mordomia às custas do dinheiro dos nossos impostos? Claro que não! Queremos que sejam tratados com rigor! Muitos até defendem que bandido bom é bandido morto! Acham que os cidadãos americanos gostam de ver o seu governo gastando dinheiro público para repatriar estrangeiros ilegais? Óbvio que não! Eles detestam criminosos tanto quanto nós! Por isso, quem decide emigrar ilegalmente para os Estados Unidos ou qualquer outro país precisa estar ciente que a população local o verá como um criminoso. Se decidir correr o risco de se colocar nessa situação, que esteja então preparado para arcar com as consequências.

O tema é bastante complexo, e sei que desperta muitos sentimentos. Sei que muitos que lerem este artigo ficarão indignados com as minhas palavras. Mas como escrevi no início, os meus vinte anos como imigrante me dão certa autoridade para escrever a respeito deste assunto. Não sou contra as pessoas buscarem os seus sonhos aqui no exterior, ao contrário. Apenas gostaria que as pessoas tomassem decisões mais conscientes. Muitas vezes o ganho financeiro não compensa as dificuldades que temos que enfrentar!

Mais uma vez, reitero que respeito a decisão do governo brasileiro de repatriar nossos conterrâneos que estavam em Wuhan. Me solidarizo com aqueles que passaram por maus bocados em prisões americanas. Mas reitero também, que a decisão de emigrar deve ser muito bem pensada. Não vejam apenas o aspecto financeiro ou os aspectos positivos. Sempre haverá um preço a ser pago. Muitas vezes não teremos com quem contar nos momentos de dificuldade, e não podemos esperar que nosso governo nos ajude sempre! E o que quero, com este artigo, é que todos reflitam se realmente vale a pena pagar este preço! No fim, não é difícil entender que, mesmo com todos os problemas, não existe no mundo país melhor que o nosso!


Comentários

  1. Três anos de doutorado de física em Munique, mostraram que não sirvo para ser estrangeira. Apesar dos defeitos, eu amo o Brasil.

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    1. Obrigado por ler e comentar! Enquanto alguns querem sair, eu estou doido pra voltar! Mas ainda não é a hora!

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