O Japão e as Privatizações

Reproduzo abaixo o meu artigo escrito para a coluna Conexão Japão, da revista digital Vida Destra:

O Japão e as Privatizações



Todas as vezes que ocorre uma greve em uma das nossas empresas estatais, ou que surgem problemas envolvendo o funcionalismo público, somos levados por um sentimento natural a criticar e a questionar a necessidade da existência de empresas de propriedade do Estado. E este debate veio novamente à tona, neste momento em que os funcionários dos Correios se encontram em greve, e no qual muitos professores e peritos médicos do INSS se recusam a voltar ao trabalho, usando a pandemia de Covid-19 como desculpa!

Sempre deixei claro a todos o meu posicionamento favorável à venda de TODAS as empresas estatais. Houve um momento no qual o governo precisou criar empresas para oferecer à sociedade produtos ou serviços que não eram considerados interessantes pela iniciativa privada, e também empresas destinadas a promover o desenvolvimento econômico ou a proteção de interesses nacionais estratégicos. Este tempo já ficou para trás, e hoje a iniciativa privada tem interesses diversificados. Por este motivo, não temos mais a necessidade de manter empresas sob o controle do governo! É uma ilusão pensar que estas empresas pertencem ao povo, que só participa dos prejuízos!

Infelizmente a questão das privatizações encontra muita oposição, que envolve desde os funcionários das empresas estatais, que temem perder sua estabilidade e privilégios, que geralmente não tem similares nas empresas privadas, até os políticos que temem perder seu capital político e as oportunidades de nomeações e apadrinhamentos que poderão render altos lucros, através da corrupção e do desvio de recursos públicos! Mas não pensem que é só no Brasil que o tema gera debates acalorados! Aqui do outro lado do planeta as coisas não são diferentes!

Nos anos 80, o Japão promoveu grandes privatizações, no setor do transporte ferroviário e das comunicações, com a privatização da Japan Railways (JR) e da Japan Telegraph and Telephone Corp. (NTT). Mas o grande desafio enfrentado pelo Japão foi a privatização do seu serviço de correios!

O debate em torno da ideia de privatizar o serviço postal japonês remonta ao final dos anos 70, mas só começou a tomar forma em 2 de abril de 2003, quando foi criada a Japan Post, a empresa que sucedeu a Agencia de Serviços Postais na administração do serviço de correios no Japão. Com 25 mil agências e 250 mil funcionários, a Japan Post era um verdadeiro colosso, pois além dos serviços postais, também atuava nas áreas de poupança e seguros, com ativos de US$ 3 trilhões (2005), o que fazia da Japan Post a maior empresa estatal de serviços financeiros do mundo. Ela também era a maior investidora em títulos da dívida japonesa, possuindo US$ 1,22 trilhão (2005) em papéis.

Em 2007 o então primeiro-ministro Junichiro Koizumi enviou a proposta de privatização da Japan Post ao parlamento japonês. Depois de acalorados debates e de uma rebelião no seu próprio partido, o Partido Liberal Democrático (PLD), Koizumi viu a proposta ser aprovada na Câmara Baixa, mas ser rejeitada na Câmara Alta do parlamento. Em reação, o primeiro-ministro aproveitou sua alta popularidade e dissolveu o parlamento, convocou novas eleições legislativas, negou apoio às candidaturas dos membros do PLD que se rebelaram e transformou o pleito em uma espécie de referendo, com a população manifestando através do voto o seu apoio ao projeto de privatização da Japan Post.

Neste ponto é necessário esclarecer a importância deste projeto de lei. Enquanto estava sob os cuidados da Agência de Serviços Postais, o orçamento dos correios fazia parte do orçamento do governo central. Criar uma empresa para administrar estes serviços foi o primeiro passo para tirar os correios das mãos do governo. A privatização desta empresa gigantesca visava tornar o Estado mais enxuto e também fazia parte do plano estratégico de longo prazo do governo, que deveria promover o ajuste das contas públicas e ajudar a diminuir o alto endividamento público japonês. Além disso, visava combater o apadrinhamento e o uso político de sua estrutura e patrimônio, já que muitos políticos se aproveitavam da capilaridade da rede de agências dos correios para troca de favores e obtenção de apoio e doações para campanhas. A empresa Japan Post operava com lucro, sendo que no exercício fiscal de 2006,  apresentou um lucro de ¥ 1,993 bilhão de ienes (aproximadamente US$ 17 milhões), ínfimo em relação ao porte da empresa!

Koizumi saiu vencedor das eleições, e o projeto  foi aprovado pelo novo parlamento. A lei aprovada criava a Japan Post Group, e determinava que a Japan Post fosse dividida em quatro empresas: Japan Post Holdings, Japan Post Bank, Japan Post Insurance e Japan Post Postal Services. Também estipulava o prazo de dez anos para que o capital destas empresas fosse gradualmente aberto à iniciativa privada.

Mas as polêmicas não se encerraram com a aprovação da lei! Em 2010, o Partido Democrático do Japão (PDJ), de oposição, obteve maioria no parlamento, quebrando décadas de hegemonia do PLD e o novo primeiro-ministro, Yukio Hatoyama, propôs uma lei para frear a abertura do capital das empresas do Japan Post Group. Após pouco mais de oito meses no cargo, Hatoyama perdeu o apoio no parlamento, sendo obrigado a renunciar. Foi sucedido por Naoto Kan, que assumiu a chefia do governo empenhado em revitalizar as finanças públicas, e que retardou o envio ao parlamento da lei que tentaria travar a privatização dos serviços postais, numa postura contrária à de seu antecessor, apesar de serem do mesmo partido!

Em 2015, já no governo de Shinzo Abe, as empresas do Japan Post Group promoveram uma oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) na Bolsa de Valores de Tóquio, obtendo o valor total de US$ 12 bilhões, no que foi a maior oferta pública inicial de ações do ano de 2015, e uma das maiores já registradas! Demorou, mas o plano do governo japonês de privatizar sua empresa de correios, se concretizou!

As dificuldades em relação às privatizações não são apenas nossas! Vários países, desenvolvidos e em desenvolvimento, enfrentaram dificuldades, em diferentes graus. Existem muitos interesses ligados às empresas estatais, e muitas pessoas lutarão com unhas e dentes para a manutenção do status quo! Nós, conservadores, não podemos nos amedrontar diante do tamanho dos desafios que teremos que enfrentar, se quisermos reduzir o tamanho do Estado brasileiro. E esta redução é necessária, se quisermos fazer uma Reforma Tributária que, de fato, diminua os impostos que nos são cobrados. Quanto maior o Estado, maior o custo da sua manutenção, e quanto maior este custo, maior o valor dos impostos a serem arrecadados! Sempre seremos nós a pagar esta conta!

Não precisamos de Estado banqueiro, que entregue cartas ou perfure poços de petróleo! A iniciativa privada pode muito bem cuidar destas tarefas, permitindo que o Estado se ocupe de áreas mais importantes para a sociedade, como a Educação, a Saúde e a Segurança Pública, por exemplo! E ainda gerando receitas através dos impostos recolhidos e sem a necessidade de aporte de recursos públicos para cobrir eventuais prejuízos! Amigos, o melhor caminho para a redução do Estado é o que passa pelas privatizações de todas as nossas empresas estatais!


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