As eleições presidenciais de 2022 - Parte 3
O dia seguinte
Passado o baque do anúncio da vitória
do candidato petista para o cargo de presidente da República, veio a natural
reflexão acerca de tudo o que aconteceu. E acredito que a maioria das pessoas
iniciou esta reflexão a partir da pergunta: "como foi que isso
aconteceu?". Esta era a pergunta a ser respondida e as respostas vieram
rapidamente.
Na verdade, as respostas para esta
pergunta já eram conhecidas desde antes da campanha eleitoral começar. Em minha
análise, costumo colocar o marco temporal inicial dos nossos problemas lá em
2015, quando o então deputado federal Jair Bolsonaro apresentou o projeto de
voto eletrônico com registro impresso. É importante que se registre que esta
demanda já era antiga e remontava ao período imediatamente posterior ao início
do uso de urnas eletrônicas nas eleições brasileiras. Também temos que
relembrar que em 2015 a grande maioria das lideranças políticas do país foram
favoráveis ao voto eletrônico com registro impresso.
Naquela ocasião o Congresso Nacional
votou a favor da proposta, que fazia parte da minirreforma eleitoral e deveria
ser implementada para as eleições gerais de 2018. Porém, o então presidente do
Tribunal Superior Eleitoral, ministro Gilmar Mendes, acabou por colocar
entraves na implementação das novas urnas alegando inclusive questões
orçamentárias para retardar o processo. Isso acabou dando tempo para que a
então Procuradora-geral da República Raquel Dodge entrasse com um pedido de
liminar no STF contra a impressão do voto alegando que "a
obrigatoriedade de impressão do voto representa um retrocesso para o processo
eleitoral e amplia a possibilidade de fraudes, além de ser uma ameaça ao sigilo
da manifestação do eleitor."
O STF concedeu a liminar e a adoção
do voto eletrônico com registro impresso foi suspenso, com o plenário do STF
confirmando a liminar em setembro de 2020, tornando inconstitucional e enterrando
a possibilidade de voto eletrônico com registro impresso.
Para resolver o problema da
inconstitucionalidade, o Congresso Nacional passou a trabalhar na analise da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/2019 de autoria da deputada federal Bia
Kicis. Se aprovada, a questão do voto impresso passaria a fazer parte do texto
constitucional o que afastaria por completo a possibilidade do STF declarar a
inconstitucionalidade. A sociedade civil havia se manifestado favorável à
medida e ela tinha boas chances de aprovação no Congresso.
Porém, após uma forte pressão do TSE,
na figura do então presidente Luís Roberto Barroso, que esteve no Congresso
conversando com os congressistas a fim de convencê-los a rejeitar a proposta, a
PEC foi rejeitada em votação na Comissão Especial e em votação no plenário da
Câmara dos Deputados não obteve a maioria necessária à sua aprovação. Lembrando
aqui que os parlamentares que apoiaram a medida em 2015 agora atuavam contra
ela, a maioria como forma de se opor ao presidente Bolsonaro, que defendeu a
PEC com unhas e dentes e teceu fortes críticas ao TSE, acusando a corte
eleitoral de não permitir o aperfeiçoamento que traria mais segurança e transparência
ao processo eleitoral.
Mas as manobras para se "tomar
o poder, que é diferente de vencer eleições" não pararam por aí. Houve
ainda a mudança de entendimento de ministros do STF, como Gilmar Mendes, a
respeito da questão da prisão após condenação em segunda instância, que
vigorava no país mas após a mudança no entendimento a prisão passou a ser
permitida apenas depois do trânsito em julgado, situação na qual não cabem mais
recursos de apelação da sentença condenatória. Com isso milhares de presos
foram colocados em liberdade para aguardar o tal trânsito em julgado, incluindo
o ex-presidente presidiário. A manobra de mudança na jurisprudência permitiu
que o petista se enquadrasse na Lei da Ficha Limpa e se tornasse apto a
disputar as eleições presidenciais de 2022.
Já nas eleições em si, o processo
eleitoral apresentou inúmeros problemas que foram apontados mas não receberam a
atenção necessária da autoridade eleitoral. Falta de isonomia no trato das
candidaturas, com o presidente Bolsonaro sendo impedido, por exemplo, de usar
na campanha eleitoral os seus discursos como chefe de estado em eventos como a
Assembleia Geral das Nações Unidas ou o funeral da rainha Elisabeth II. Além
disso o presidente foi impedido de gravar vídeos para a campanha no Palácio da
Alvorada, a residência oficial da presidência. Vale lembrar que em nenhum dos
pleitos anteriores se viu medidas semelhantes.
Houve também a descoberta de que
milhares de inserções da campanha de Bolsonaro no horário eleitoral obrigatório
não foram veiculadas em várias rádios, principalmente na região nordeste, o que
prejudicou muito a campanha do presidente já que o seu adversário acabou por
ter mais visibilidade. Apesar da situação ter sido denunciada, nada foi feito a
respeito com a denúncia tendo sido simplesmente arquivada pelo presidente do
TSE ministro Alexandre de Moraes.
Ainda, após o anúncio do resultado da
votação no segundo turno, vários relatórios elaborados por diversas
instituições e pessoas diferentes apontaram inconsistências na apuração dos
votos e a existência de brechas de segurança no programa utilizado pelas urnas
que poderiam permitir que pessoas manipulassem o software e influenciassem o
resultado das urnas, fazendo com que as pessoas passassem a desconfiar ainda
mais do processo eleitoral e do resultado que foi apresentado.
Para piorar, todo e qualquer
questionamento passou a ser considero um "ataque antidemocrático" às
instituições do estado e qualquer pessoa que ousasse fazer perguntas passou a ser
tratada como criminosa mesmo sem lei anterior que estabeleça este tipo de
crime. O ministro Alexandre de Moraes passou a concentrar em si mesmo poderes
ilegais e ditatoriais, agindo como o verdadeiro governante do país, mandando
prender e censurar pessoas sem que o devido processo legal e sem que as leis
fossem observadas. Passou por cima da liberdade de expressão, da liberdade de
imprensa, da imunidade parlamentar e do Ministério Público.
Infelizmente, apesar dos gritantes e
flagrantes atos ilegais cometidos contra os cidadãos e contra as instituições,
tanto o Congresso Nacional como o Ministério Público e a Procuradoria-Geral da
República pouco ou nada fizeram para reverter a situação e defender as suas
próprias atribuições usurpadas por Moraes.
A situação levou a população a se
indignar de tal maneira que desde a noite de 30 de outubro, dia do segundo
turno das eleições, milhares de pessoas estão se manifestando em frente aos
quartéis e comandos militares pelo país afora, bem como em frente ao
quartel-general do Exército em Brasília.
As pessoas anseiam por uma solução,
que não apenas impeça que um candidato eleito de forma suspeita assuma o posto
de presidente do país e coloque em risco todo o legado de quatro anos de
trabalho árduo e muito esforço, como também traga o país de volta ao caminho da
verdadeira democracia, aquela onde as liberdades individuais, a Constituição e
o estado de direito são respeitados.
Ainda não é possível afirmar o que
vai acontecer mas seja lá o que for certamente fará com que este momento entre
para a nossa história como um dos mais importantes, por mostrar de forma inequívoca
o desejo do povo brasileiro de ser o protagonista da sua própria história,
rompendo com décadas de comodismo direcionado pelas elites do país. O Brasil
mudou e muitas outras mudanças estão a caminho, resta saber se serão para
melhor ou para pior.
Que Deus nos ajude!
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