O Homem moderno está desaprendendo a pensar!
Creio que a
maioria das pessoas que lerem este artigo conhecem o argumento que afirma que
as informações produzidas atualmente pela nossa civilização dobra em um
curtíssimo período de tempo. Embora seja muito positivo constatar que o
conhecimento está sendo produzido numa proporção cada vez maior, há uma
aparente contradição, pois o Homem moderno está gradativamente perdendo a sua
capacidade analítica, de pensar e de produzir conhecimento.
Então como
é possível dobrar tão rapidamente a quantidade de informação e conhecimento produzido, se as pessoas estão
cada vez pensando menos? E outra pergunta, igualmente importante: quem está
produzindo e quem está utilizando este conhecimento produzido?
Para
compreender o raciocínio que estou propondo com este artigo, precisamos
retornar no tempo, uns quinhentos anos aproximadamente, para analisarmos como
era produzido e disseminado o conhecimento. Naquela época, devido à alta taxa
de analfabetismo, eram poucas as pessoas capazes de acessar o conhecimento
acumulado pela sociedade e fazer uso dele. Por exemplo, o próprio hábito de ler
a Bíblia Sagrada, hoje comum à maioria dos cristãos, era restrito aos
sacerdotes e aos poucos indivíduos que dominavam o latim para poder fazer tal
leitura e tinham acesso a um exemplar.
Além disso,
pelo mesmo motivo citado acima, eram poucos os indivíduos capazes de utilizar o
conhecimento acumulado para produzir novos conhecimentos e fazer novas
descobertas. E os centros de produção do conhecimento, tais como as
universidades, eram poucos, e de acesso restrito, o que tornava o processo de
adquirir e produzir conhecimento ainda mais restrito e lento.
Ainda tendo
a Bíblia como exemplo, dois acontecimentos históricos contribuíram para que o
seu conteúdo fosse disseminado e chegasse a um número maior de pessoas. O
primeiro acontecimento foi a invenção da imprensa por Johannes Gutenberg, por
volta de 1439, e a impressão da primeira Bíblia utilizando o processo de
impressão por tipos móveis. Esta invenção possibilitou que a Bíblia, que antes
tinha todo o seu conteúdo copiado à mão por monges copistas, num processo
demorado e lento, passasse a ser impressa numa velocidade muito maior,
aumentando em muito a disponibilidade do conhecimento bíblico, permitindo que o
livro sagrado chegasse a um número maior de pessoas.
O segundo
acontecimento histórico foi a Reforma Protestante, de 1517, que entre outras
coisas, permitiu que os cristãos pudessem ler a Bíblia em seu próprio idioma, o
que permitiu que a Palavra de Deus deixasse de ser algo de acesso exclusivo a
uns poucos privilegiados e chegasse a um número maior de pessoas.
Mas há um
aspecto importante que devemos considerar neste raciocínio, que é o fato de que
não adianta aumentar a quantidade de conhecimento disponível, se as pessoas não
tiverem meios de acessá-lo. Em outras palavras, de nada adianta termos a
capacidade de imprimir livros em grandes quantidades, se não tiverem pessoas
capazes de lê-los. A alfabetização de um número cada vez maior de pessoas
permitiu não apenas que as pessoas pudessem acessar o conhecimento acumulado
pela nossa civilização, como também permitiu que mais pessoas passassem a ser
criadoras de conteúdo, aumentando assim a quantidade de conhecimento acumulado
pela nossa sociedade.
Com o
passar do tempo, a posse de conhecimento intelectual passou a ser tão
valorizada quanto a posse de bens materiais, o sucesso começou a ser
gradualmente ligado ao conhecimento, e isto fez com que a busca das pessoas
pela instrução e pelos estudos proporcionasse cada vez mais meios para que elas
pudessem ser educadas. Com mais pessoas capacitadas a acessar os conhecimentos
acumulados, maior também a quantidade de pessoas produzindo novos
conhecimentos. Além disso, a quantidade de centros de produção de conhecimento
aumentou muito, deixando de ser exclusividade de países do velho continente, e
passando a se espalhar por todo o mundo.
Porém, com
o passar do tempo, as elites entenderam que quanto mais as pessoas tivessem
acesso ao conhecimento, mais difícil seria para elas manterem o seu poder. E
também entenderam que ao invés de tentar impedir que as pessoas acessassem os
conhecimentos, o que seria algo cada vez mais difícil com o avanço das
tecnologias de comunicações e informação, seria mais fácil controlar o
conhecimento que as pessoas poderiam acessar.
E mais que
apenas controlar as informações às quais as pessoas têm acesso, as elites
também passaram a manipular o sistema de aprendizado dos indivíduos, de forma
que não fossem mais estimulados a pensar e desafiados a produzir novos
conteúdos de conhecimento, mas passassem a aceitar o conhecimento fornecido
pronto para o consumo, através de um sistema criado para forjar narrativas de
forma a manipular o pensamento e, consequentemente, manipular também as
atitudes das pessoas. Isto pode ser facilmente constatado nas áreas do consumo
e da política e, mais recentemente, nas reações das pessoas à pandemia da
covid-19.
Hoje, a
grande maioria das pessoas, principalmente as das novas gerações, estão
crescendo sem aprender a pensar. Não são estimuladas a aprender nada além
daquele conteúdo apresentado nas escolas, e tampouco são estimuladas a criar
novos conteúdos relevantes para o aperfeiçoamento e o amadurecimento da nossa
sociedade.
Será que
quando se afirma que a quantidade de informação dobra em curto espaço de tempo,
estão considerando tudo, desde os vídeos ridículos criados para o TikTok, até os TCC com temas irrelevantes
apresentados nas nossas universidades? O conhecimento produzido hoje nada
acrescenta à nossa civilização. O conteúdo que conta, de fato, acaba sendo
aquele produzido com o objetivo exclusivo de manter o poder nas mãos de poucos
escolhidos.
É possível concluirmos
que, se quinhentos anos atrás, os indivíduos eram os detentores do
conhecimento, hoje a maioria dos indivíduos já não detêm nenhum conhecimento
além daquele permitido pelos que estão no poder. Hoje, as pessoas já não sentem
a necessidade de guardar determinadas informações, pois a qualquer momento
podem acessá-las através do Google.
Quer comprovar na prática o que estou afirmando? Retire os smartphones das
pessoas e veja-as desesperadas e sem saber resolver situações corriqueiras, que
até poucas décadas atrás qualquer pessoa tirava de letra!
Somos
extremamente dependentes da tecnologia, e confiamos a ela a tarefa de guardar o
conhecimento produzido e acumulado pela nossa civilização. Se acontecesse uma
hecatombe qualquer e todas as informações digitalizadas fossem perdidas para
sempre, o que seria da raça humana? Muito provavelmente regressaríamos aos
tempos de Gutenberg!
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