Realmente não há nada a ser comemorado hoje
Todos os anos no dia 15 de novembro eu comemoro o fato de ter me libertado das falácias que aprendi na escola a respeito da “proclamação” da república. O golpe militar que tirou Dom Pedro II do poder, enviou a ele e a sua família ao exílio, e encerrou o período imperial no Brasil, sempre é retratado com uma aura positiva, como se Deodoro da Fonseca tivesse encerrado o antiquado e arcaico regime monárquico em prol de um regime mais moderno e que realmente atenderia aos anseios e cuidaria dos interesses do povo brasileiro.
Quem me
conhece sabe que sou simpatizante do regime monárquico. Vivi metade da minha
vida no Japão, que é uma monarquia constitucional parlamentarista, e por isso
tenho a experiência prática de viver num regime diferente do presidencialismo republicano.
Sei que é
difícil para o brasileiro médio, que foi doutrinado nas escolas públicas como
eu fui, deixar de lado aquelas informações todas que foram recebidas ao longo
de anos e abrir a mente para os fatos que se desenrolaram há mais de cem anos.
É mais fácil tecer críticas a algo que se desconhece do que dedicar tempo ao
estudo que levará ao conhecimento da verdade.
Eu mesmo
sou um exemplo de que é preciso tempo e esforço pessoal para mudar paradigmas
tão arraigados, mas também creio que sou um dos exemplos de que ainda é
possível, mesmo numa sociedade onde a verdade vem sendo suprimida do cidadão
comum, aprender e passar a enxergar as coisas como elas realmente são.
Em 15 de
novembro de 1889 ocorreu um golpe militar no Brasil e um golpe não merece ser
comemorado, principalmente quando ocorre para benefício de poucos e não da
população em geral. Há os casos onde cidadãos se revoltam contra governantes
tiranos e regimes ditatoriais, mas não foi o nosso caso. A monarquia brasileira
e o imperador Dom Pedro II tinham grande aprovação popular e desfrutavam do
respeito dos cidadãos.
Tanto é
verdade que o exílio forçado da Família Imperial, que teve que deixar o país às
pressas menos de 24 horas depois do golpe de Deodoro, ocorreu pelo temor que os
militares golpistas tinham de uma revolta popular pró-monarquia, que certamente
contaria com o apoio da maioria dos soldados do Exército, que eram leais ao imperador, e com o
apoio da Armada Imperial (nome antigo da Marinha), cujos oficiais eram
extremamente leais ao imperador e não foram convidados para o golpe.
Muitos não
sabem, mas nas horas pós-golpe militar, o imperador foi instado a reagir contra
os golpistas, mas se negou, pois não desejava que ocorresse um derramamento de
sangue no país. Em minha opinião, foi um grande erro, mas que mostra o caráter
daquele que estava sendo deposto. Dom Pedro II não cogitou derramar o sangue de
cidadãos brasileiros para se manter no poder. Nenhum presidente da república
mostrou o mesmo desprendimento em relação ao poder.
Não é
preciso ser um grande estudioso de história para saber que o golpe militar
republicano ocorreu para atender os interesses dos grandes proprietários rurais
que foram prejudicados com a abolição da escravatura ocorrida pouco mais de um
ano antes. O regime republicano nasceu para atender exclusivamente os
interesses da elite brasileira que tinha sido contrariada, em várias ocasiões,
pelas ações do governo imperial.
É
importante destacar que, ao contrário do que muitos pensam, a elite brasileira
era terminantemente contra a abolição da escravatura, enquanto a Família Imperial lutava, dentro dos limites impostos pela Constituição, para convencer
a sociedade que a escravatura era uma chaga que precisava ser extirpada da
nossa nação.
Muitos se
perguntam: por que o imperador não acabou com a escravidão com uma “canetada”?
Em primeiro lugar precisamos entender que o nosso monarca era um homem que
respeitava a Constituição e as leis, e as faziam cumprir, ao contrário do que
vemos hoje em dia. Dom Pedro II era o chefe de Estado e exercia o Poder
Moderador. Isso significa que ele não governava diretamente o país.
Em segundo
lugar, o país era uma monarquia constitucional parlamentarista e a chefia de governo era exercida
por um primeiro-ministro, que naquela época era conhecido como presidente do Conselho
de Ministros. Cabia ao Parlamento, eleito por aqueles que tinham o direito ao
voto (a elite), aprovar as leis necessárias para o fim da escravidão. Dá pra
entender o porquê do Parlamento demorar tanto tempo para acabar com a
escravidão no Brasil.
Ao
contrário da nossa monarquia, que trabalhou muito para que todos fossem livres,
a nossa república nunca se preocupou com este importante valor, e passou
mais de um século trabalhando para manter atendidos os interesses de uma elite
egoísta, que nunca se importou com aqueles que geram as suas riquezas.
Ao longo
dos anos foi repetida a narrativa que diz que o povo tem direitos e é livre,
mas a república nunca conseguiu garantir que os direitos básicos de todos
fossem minimamente atendidos e a liberdade fosse verdadeiramente respeitada.
E ao
contrário do que os defensores da nossa república costumam afirmar, o Estado
republicano brasileiro tem trabalhado arduamente para ceifar a liberdade dos
cidadãos brasileiros e submetê-los à sua vontade, que nada mais é que a vontade
da mesma elite que derrubou Dom Pedro II para garantir seus interesses. Hoje há
um novo fator nesta equação, pois se lá no século XIX as elites buscavam
garantir principalmente seus interesses econômicos, hoje buscam garantir também
a sua permanência no poder.
Os que
festejam o dia de hoje o fazem por ignorância ou por fazer parte do grupo que,
a despeito da vontade popular, se apossou do Estado e o aparelhou para servir
somente aos membros do clube fechado que controla o Brasil. E há os idiotas
úteis, claro, que são facilmente manipulados por aqueles no poder para auxiliar
na manutenção do status quo.
O
brasileiro minimamente esclarecido sabe que não há nada a ser comemorado hoje.
Em minha opinião, hoje o dia é de relembrar e lamentar. Relembrar a injustiça
cometida contra um dos maiores brasileiros da nossa história e lamentar que os
valores morais e éticos que guiavam o cuidado com o erário e os bens públicos
no império foram substituídos por outros valores, que colocaram tudo o que é publico
como algo sem dono e que, portanto, pode ser pilhado por quem tiver a
oportunidade para fazê-lo.
Não podemos
saber como estaríamos hoje se ainda fossemos uma monarquia parlamentarista. Mas
de uma coisa eu tenho certeza: se tivéssemos mantido a linhagem de homens e
mulheres íntegros, que exerciam com probidade suas funções públicas e que
resguardavam os bens públicos da ação de larápios; se tivéssemos os poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário
cumprindo os seus papéis constitucionais sob a severa vigilância de alguém com
autoridade moral e legal para intervir quando necessário, para manter tudo
dentro do que manda a lei e atendendo aos anseios do povo brasileiro. Se tudo
isso tivesse sido mantido, poderíamos não ser o país mais desenvolvido do mundo,
mas certamente não estaríamos vivendo as mazelas que temos hoje no Brasil.
Claro que
existem muitos argumentos que poderiam ser citados aqui para justificar a não
comemoração deste feriado. Vou me ater apenas ao argumento que considero como
sendo o básico: o golpe militar foi o estopim para uma troca de paradigmas
cujos efeitos vemos claramente hoje. Estadistas, verdadeiros homens públicos,
guiados pela ética, pelo zelo com os bens públicos, pelo trabalho dentro das
leis, foram substituídos por políticos profissionais, sem ética e sem moral,
que se dizem representantes do povo, mas só representam a si mesmos e aos seus senhores.
Falar de
valores morais e de ética hoje em dia é difícil e mostra o quanto a nossa
sociedade decaiu sob o regime republicano. Espero sinceramente que consigamos
reverter a situação. E esperança ainda existe (e resiste) em nosso amado
Brasil.
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